LINGUAGENS, ESPAÇOS E TEMPOS NO ENSINAR E APRENDER

LINGUAGENS, ESPAÇOS E TEMPOS NO ENSINAR E APRENDER

VERA MARIA CANDAU (org.) Rio de Janeiro, DP&A, 2000. I – ESPAÇOS, TEMPOS E DISCIPLINAS: as crianças ainda devem ir à escola (Alfredo Veiga-Neto)

Citando Kant: “enviam-se primeiro as crianças à escola não com a intenção de que elas lá aprendam algo, mas com o fim de que elas se habituem a permanecer tranqüilamente sentadas e a observar pontualmente o que se lhes ordena uma vez que a falta de disciplina é um mal pior que a falta de cultura, pois esta pode ser remediada mais tarde, ao passo que não se pode abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina”. Kant parece ter sido o primeiro a caracterizar a escola moderna com a disciplinarização, em especial no que diz respeito aos usos que as crianças fazem do espaço: sentadas e pontualmente. Como precisamos viver com um pouco de disciplina, então ainda devemos encaminhar as crianças à escola. A docilização do corpo pode ser entendida em sua dimensão econômica (Foucault), na medida em que a disciplina funciona minimizando a força política e maximizando a força útil do trabalho. Há também o eixo dos saberes, enquanto outro aspecto disciplinar. Ambos, corpo e saberes, submetidos a um maior ou menor confinamento, para que possam ser vigiados. Cada sala tem uma função homogênea, de acordo com o uso que o corpo faz dela. Nas escolas profissionalizantes a heterogeneidade é maior. Há ainda que se destacar outros artefatos: crianças separadas por idades, níveis, classificação por rendimento, currículo composto segundo uma lógica artificial. Tudo isso ocorre no tempo fracionado que possibilita o controle, sem desperdícios: horário para tudo e tudo seqüenciado/seriado. Para pensarmos dentro do nosso tempo teremos de rever as práticas espaço-temporais a que estamos submetendo nossos alunos dentro e fora da escola. II – TEMPO E ESPAÇO DE ENSINAR E APRENDER (Nilda Alves) Quando e onde se ensina a aprender? Sendo o ser humano social, histórico e cultural, a resposta é em todos os espaços. No espaço escolar, percebemos que o “corpo todo” (olhar, postura, curiosidade...indicando interesse) muitas vezes aprendensina na hora da entrada e saída, no recreio, nas aulas: nesses espaçõtempos existem muitas significações (proxemia/Maffesoli). Na escola, nas relações com os professores e alunos, o que devemos aprender para melhor ensinar é como encontrar meios e caminhos para as múltiplas redes sociais do aprenderensinar emergirem, criando conhecimentos renovados, quer isso esteja ou não nos documentos oficiais ou em nossas pesquisas ou aprendizagens. III – EXISTEM NOVAS PAISAGENS NOS HORIZONTES (Denise Najmanovich) Há muitos significados sobre o que seja educar. Essa diversidade nos leva a pensar que não há homogeneidade universal e definida em “educação”. Do ponto de vista histórico o processo ensino-aprendizagem evoluiu e das formas difusas das comunidades até hoje, registramos seus diferentes papéis. Atualmente o que predomina são as redes de relações permeadas pela tecnologia. Resumidamente, podemos destacar nas culturas orais, o modelo poético, inspirado na memória (o que não se lembra, se perde); na modernidade, o modelo mecânico-disciplinador, conforme a visão positivista epistemológica, rígida, homogeneizadora, tida como um conjunto de verdades eternas, desprivilegiando a subjetividade.

Uma alternativa para a transformação do “conhecimento do conhecimento”, na opinião da autora, são as redes interativas, permeadas da tecnologia. Porém, a transformação educacional não é eminentemente técnica, mas política. IV – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E EDUCAÇÃO (Tânia Dauster) Explicações da Autora: representação: muitos significados: substituir; reproduzir; conjunto de idéias ou imagens mentais; representante de algo/alguém; etc. Citando Durkheim e Mauss, são as relações sociais entre os homens que dão a base para as relações lógicas entre as coisas. Ela destaca, do encontro da análise destes autores e outros, de outras épocas, o princípio epistemológico da irredutibilidade social: a explicação social pelo social, a relação entre os sistemas lógicos e os sistemas sociais, as representações coletivas como produto de imensa síntese social, a sociedade como fonte do pensamento lógico e a vida social feita de representações e práticas. Entretanto, há uma banalização do que seja representação, pela ausência de quadros teóricos referenciais, o que dificulta o desenvolvimento de muitas pesquisas na área da educação. V – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: desenvolvimentos atuais e aplicações à educação (Alda Judith Alves-Mazzotti) São antigas as discussões sobre o “fracasso” escolar das crianças das camadas mais pobres da população. A culpa ora era da “natureza” da criança que não teria aptidões/prontidão (“teoria do dom”), ora seu meio social (“teoria da privação cultural”), ora do sistema escolar, (teoria da reprodução). Estudos mais recentes têm nos encaminhado para uma avaliação do cotidiano escolar, sobretudo das práticas docentes. Resultados desses estudos: a) o baixo nível socioeconômico tende a fazer com que o professor desenvolva baixas expectativas sobre o aluno; b) os docentes tendem a interagir de modo diferente com os alunos sobre os quais formaram altas ou baixas expectativas; c) esse comportamento diferenciado gera menores oportunidades de aprender e interfere na auto-estima dos alunos sobre os quais se formaram baixas expectativas; d) os professores tendem a culpabilizar as condições sóciopsicológicas do aluno e econômicas da família; e) os alunos de baixo rendimento tendem a assumir a responsabilidade pelo “fracasso”, atribuindo-o a causas internas/falta de aptidão ou de esforço/rebaixamento de auto-estima. Completando este quadro, outros estudos indicam que os docentes tendem a levar pouco em conta as reais situações dos alunos pobres e suas famílias e “olhá-los” do ponto de vista das características da classe média, como a única e legítima, como modelo ideal. É preciso compreender como e porque as percepções, atribuições, atitudes e expectativas são mantidas e/ou construídas. A teoria das representações sociais parece ser um caminho promissor para compreendermos as relações cognitivas e práticas sociais, dado que recorre a sistemas de significações socialmente partilhados que as orientam e justificam. O que é representação social – 1) Expressão retirada da psicanálise por Serge Moscovici com retomada e renovação do conceito de representação coletiva de Durkheim. Moscovici (abordagem processual) enfatiza que as representações sociais não são apenas “opiniões sobre” ou “imagens de”, mas teorias coletivas sobre o real, sistemas que têm uma lógica e linguagens particulares, uma estrutura de implicações baseada em valores e conceitos que “determinam o campo das comunicações, dos valores e das idéias compartilhadas pelos grupos e regem, em conseqüência, as condutas desejáveis ou admitidas”. Distingue dois processos cognitivos dialeticamente relacionados que atuam na formação das representações: objetivação (transformação de um conceito em algo concreto) e ancoragem (enraizamento social da representação no pensamento, tendendo a tornar “realidade”)

2) A abordagem estrutural derivada da de Moscovici, tem em Jean Claude Abric/Grupo do Midi, seu representante. Sua idéia principal: toda representação tem um núcleo central (NC) que determina seu significado e organização interna. Os demais elementos são chamados de periféricos (EP). O NC é diretamente determinado por condições históricas, sociológicas e ideológicas, com o qual muitos grupos compartilham. Abric destaca cinco funções dos EP: a) concretização do NC em termos de realidade compreensíveis e transmissíveis; b) regulação/adaptação da representação às transformações do contexto, integrando novos elementos ou modificando outros em função de situações concretas com as quais o grupo é confrontado; c) prescrição de comportamentos, orientando tomadas de posição; d) proteção do NC contra possíveis informações que possam modificá-lo; e) modulações personalizadas: elaboração de representações individualizadas relacionadas à história e experiências pessoais. Ambos estudos foram utilizados como base de pesquisas para se buscar as representações sociais de crianças pobres e suas famílias, sobre trabalho, auto-estima e futuro. Resultado geral: quando vêem a família como colaboradora, unida, afetiva, a representação é positiva; quando vêem a família de modo contrário, sua representação é negativa. Conclusão: ao conhecermos as representações sociais dos nossos alunos e as nossas próprias, poderemos alcançar uma maior descentração no que se refere à maior eficácia das nossas práticas educacionais.
VI – MIDIA, ESTRATÉGIAS DE LINGUAGEM E PRODUÇÃO DE SUJEITOS
(Rosa Maria Bueno Fischer). Os primeiros resultados das investigações sobre o “dispositivo pedagógico” da mídia, indicam que tanto as formas pedagógicas, educativas, como as que tendem a capturar e devolver publicamente a privacidade dos indivíduos não se dão de forma homogênea, indiscriminada. A mídia se dirige ao público-alvo de maneira especial a cada um, seja por meio da linguagem, ou da imagem. Dessa forma, a mídia se torna o grande veículo de informação e de “educação” das pessoas. Pesquisas têm mostrado a tendência clara de politizar a vida privada e privatizar a vida pública (em nossos dias, opções políticas tendem a constituir-se mais um problema de consciência individual do que de debate público/Sérgio Adorno). As fronteiras entre casa e mundo se confundem e, estranhamente, o privado e o público tornam-se parte um do outro, forçando sobre nós uma visão que é tão dividida quanto desnorteadora. Para a Autora – “olhar criticamente” todo e qualquer meio de comunicação seria a melhor atitude. VII – O QUE FAZ GAGUEJAR A LINGUAGEM DA ESCOLA (Sandra M. Corazza) A escola usa a linguagem como se houvesse um elo natural entre a “palavra” e o “objeto”, esquecendo-se dos significados (subjetivo) e significantes (objetivos/convencionais, ao mesmo tempo materiais, pela imagem e sonoros) próprios de uma e do outro. A escola crê que a linguagem pertence aos indivíduos, como, a cada um, o próprio nariz, esquecendo-se que são eles que vivem e dão continuidade à linguagem. Com a linguagem pós-moderna/crítica, podemos argumentar que a escola está presa na metáfora da gagueira. Esse “embaraço fônico” manifesta-se em três práticas lingüísticas interligadas: escola/monoglota – só fala a própria língua; diante de uma língua desconhecida (a dos alunos), a escola tartamudeia; a escola só escuta seu linguajar, esquecendo-se de que a língua se vivencia.

VIII – ESCRITA, EXPERIÊNCIA E FORMAÇÃO – múltiplas possibilidades de criação de escrita (Sonia Kramer). A Autora comenta que nos dias atuais, desde o ensino fundamental até o superior fala-se que os alunos não sabem escrever. O que afinal se ensina na escola durante as aulas de Língua Portuguesa? Lemos os textos dos alunos ou apenas corrigimos? A escrita parece ser uma instância de aprisionamento, perda da espontaneidade. A Autora, ironicamente, sugere que “a escrita deve ser trabalhada na escola como uma produção que não é útil, que não serve para nada, pois – não servindo – nunca correrá o risco de ser servil”. Na verdade, para ela, a escrita deve fazer parte da formação de cada um, e ser usada para ajudar a refletir, pensar sobre o sentido da vida individual e coletiva; ser usada sem cerceamento. IX – MÚLTIPLAS LINGUAGENS NA ESCOLA (Vani Moreira Kenski) A escola é polifônica-os sons se espalham pelos ambientes e dão sentido ao espaço vazio: vozes, músicas, falas, imagens, concentração, desconcentração, roupa, tatuagem, piercings, informática. O espaço da escola é uma das linguagens mais reveladoras do fazer da escola: seu impedimento e restrição, sua abertura e autonomia, o trabalho em grupo, enfim as práticas usadas. A utilização sistemática dos hipertextos (e hipermídias) altera a função da escola: ela passa a ser um espaço de máxima importância onde os estudantes podem apresentar e discutir seus caminhos de busca de informações e compreensões sobre o mesmo tema, partilhar informações, reorientar rotas de aprendizagem. Na busca da melhor linguagem para ensinar, BARTHES, propõe “alcançar a sabedoria pelo esquecimento dos saberes, das culturas e das crenças sedimentadas e colocar-se na busca de um ensino com nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria e o máximo de sabor possível”. X – INTEGRAÇÃO COMO PROPOSTA DE UMA NOVA ORDEM NA EDUCAÇÃO (Ivani Catarina Arantes Fazenda). Integração entre pessoas ou interação, enfrenta barreiras de diferentes ordens culturais, sociais, temporais, espaciais e materiais. Perpassando todas elas, uma outra se coloca: a barreira do olhar. O olhar deve ser avaliado em sua intenção: se inquiridor, aprovador, reprovador, distanciador, aproximador. Uma cumplicidade gera outras, mas só ocorre quando há coerência de pensamentos e atos. Interdisciplinaridade de uma outra lógica: ontológica, que integra, ao contrário de ôntica que separa. XI – ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO ESCOLAR: analisando a disciplinaridade e a integração (Alice Casimiro Lopes).
Das características mais criticadas no âmbito escolar, apontamos a fragmentação e a compartimentalização curricular. A respeito disso a Autora afirma que o currículo é disciplinar quando possui uma organização baseada na lógica das ciências ou na natureza dos conhecimentos e currículo integrado quando baseado nos interesses e necessidades dos alunos. A disciplinaridade científica é marca da ciência moderna, porém distanciada das questões sociais concretas, produzindo especializações com reduzidas possibilidades de dialogar entre si, bem como de avaliar criticamente as conseqüências de sua aplicação. Por outro lado, a capacidade das disciplinas escolares e propostas integradas darem ou não conta de questões sociais mais amplas precisa ser analisada a partir das relações de controle e poder que constituem e são constituídas no processo de organização da dinâmica escolar. XII – DISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADE (Sílvio Gallo). Para o Autor, a disciplinarização pedagógica reflete a disciplinarização do positivismo e a Pedagogia moderna desenvolveu-se animada pela “vontade de verdade” . Por isso o currículo disciplinar atende aos requisitos básicos de uma Pedagogia moderna, forjada sob o signo do cientificismo. Com a especialização dos saberes os professores se especializaram, do mesmo modo que a escola se fracionou em horários/aulas estanques. No currículo disciplinar tudo pode ser avaliado. Do ponto de vista político, disciplina quer dizer poder, controle (Foucault). Segundo Nietzsche: conhecimento corre junto com poder/controle. Segundo o Autor, nas escolas nada é por acaso, “(...) a geopolítica dos prédios e do interior das salas de aula é muito bem planejada, visando essa incorporação do poder disciplinar”. Uma das alternativas é a do currículo em rede/rizoma , ou seja, a transversalidade aplicada à produção e circulação dos saberes (Foucault, Deleuze, Guattari). Condições: ampla heterogeneidade dos conteúdos; construção subjetiva do saber; abertura para a multiplicidade de visões.
XIII – O QUE SIGNIFICA CURRÍCULO DISCIPLINAR? (Elizabeth Macedo)
Para a Autora, mais do que romper com a disciplinarização, torna-se imperativo romper com o entendimento de que o conhecimento disciplinarizado é a única dimensão válida e aquele que deve ser priorizado na escola. É preciso romper com a fronteira entre o saber científico e se assuma um conceito pragmático de ciência; romper a linha divisória entre ciência e senso comum.

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