THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial


THOMPSON, E. P.  Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In.: ---.  Costumes em comumTrad. Rosaura Eichemberg.  Editora Schwarcz, São Paulo:1998.p. 267 – 304. 

O texto tem por objetivo investigar a significação do tempo para o homem da sociedade ocidental.  O foco é direcionado ao período da Revolução Industrial Inglesa durante o século XVIII, uma vez que este acontecimento histórico foi o palco de inúmeras mudanças políticas, sociais e econômicas que afetaram toda uma concepção de mundo preexistente nos mais diversos grupos sociais.  Inúmeras culturas em diferentes espaços foram submetidas a resultados freqüentes e cada vez mais assustadores de pesquisas pró-desenvolvimentistas feitas numa Europa sedenta pelo progresso técnico, pela geração incessante de lucros e até pela afirmação da mais-valia como uma marca na “eternidade” que contaria na hora do Juízo Final.  
O texto inicia com a análise da percepção do tempo e do uso deste pelo homem em comunidades “pré-industriais”.  Entre casos mais extremos de descaso com o tempo –  tal qual se observa em comunidades camponesas na Argélia – e a dependência da sociedade atual em relação aos ponteiros dos relógios, muitas situações foram enfrentadas por nossos ancestrais.  Em tempos mais antigos lançava-se mão de inferências de signos da natureza para a divisão do tempo de realização das tarefas durante o dia.  Cada comunidade pautava sua medição de tempo de acordo com a atividade que dava sustento ao grupo e que, para isso tinha que ser contemplada nos horários certos. Os pescadores trabalhavam de acordo com as marés, os agricultores durante o horário solar etc. Mais tarde observou-se em diversos grupos sociais um sistema de “orientação pelas tarefas”, cuja essência preza pela realização primeira das necessidades básicas, pois que é “mais humanamente compreensível do que o trabalho de horário marcado”.  Além disso, neste sistema há menos separação entre o trabalho e a vida, haja visto que estes dois elementos se misturam no cotidiano.
Eis que surge um desvio no processo de uso do tempo em direção ao uso “útil” deste tempo.  Com o aparecimento inevitável da figura do empregador, mesmo dentro das famílias de artesãos, “o que predomina não é a tarefa, mas o valor do tempo quando reduzido a dinheiro”.  Aí tem-se a afirmação da ideologia mercantilista, que mais tarde constituiria bases para a Revolução Industrial e o surgimento dos capitalismos industrial e financeiro. A este fenômeno agrega-se a expansão comercial dos relógios pelo mundo.
Com as fábricas produzindo agora em grande escala, não há mais tempo a ser “desperdiçado”.  A irregularidade característica do “sistema de trabalho em domicílio (putting-out system)” passa a ser considerada até mesmo diabólica pela sociedade industrial em formação.  O tempo havia de ser sincronizado às tarefas diárias a fim de gerarem mais produtividade dos funcionários, pois o Juízo Final levará em conta a ociosidade de todos os “pecadores”.  Até o rigor aplicado aos estudantes nas escolas era, na realidade, um tipo de criação de um costume para com a disciplina em suas atividades.  A máquina era agora o paradigma de produção incessante de insumos e forçava uma “administração eficiente do tempo da força de trabalho” daquele que a comandava, para assim otimizar seus resultados e produzir mais e mais dinheiro.  É o início do capitalismo industrial disciplinado. 

“...pela divisão de trabalho, supervisão do trabalho, multas, sinos e relógios, incentivos em dinheiro, pregações e ensino, supressão das feiras e dos esportes – formaram-se novos hábitos de trabalho, impôs-se uma nova disciplina de tempo”. (p.297)

Porém, essas ideologias tiveram dificuldade para se internalizarem nas sociedades e nos homens coagidos pelas forças mercadológicas, uma vez que representam a aculturação, ou seja, um ataque aos costumes dos povos.  Não só os territórios colonizados pelas potências européias tiveram resistência em aceitar a sincronização do tempo às tarefas financeiramente rentáveis, mas também os distritos manufatureiros europeus também não se entregavam facilmente aos ritmos de trabalho exigidos pelos empregadores.  A expansão do Puritanismo e das religiões metodistas (“o próprio nome de ‘metodistas’ enfatiza essa administração do tempo”) e evangélicas foi um fator que contribui em muito para a conversão das pessoas a novas avaliações do tempo nos moldes da ideologia capitalista:

“o ‘homem integral’ também amará a sua família, cultuará o seu Deus e saberá expressar os seus dons estéticos. Mas ele manterá cada uma dessas outras orientações ‘no seu devido lugar’”.

O processo de industrialização desenfreada na sociedade ocidental a partir da Revolução Industrial (levando em conta todos os antecedentes produtivos dos séculos XVI e XVII) gerou no cenário moderno o problema do “lazer das massas”.  O trabalhador também consome em seus horários de lazer, por isso este tempo não pode ser tão reduzido quanto na época da indústria nascente.  Em decorrência disso e de movimentos anarquistas do início do século XX, defendeu-se durante muito tempo, senão até hoje, a idéia de um dia dividido em três partes: 8 horas para o trabalho, 8 para o lazer e 8 para o descanso. Logo, o que se observa atualmente a partir da diminuição do tempo das jornadas de trabalho pode ser analisado sob duas óticas: uma puritana, que pensa sobre as novas formas de aproveitamento do tempo enquanto mercadoria (pela Indústria Cultural, por exemplo); e outra “menos compulsiva”, que fará o homem repensar a utilidade do tempo – este não estaria mais sendo “desperdiçado” se favorecesse a interação social e se pudesse cada vez mais “derrubar as barreiras entre o trabalho e a vida”.

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